Qual é a importância do intestino na saúde da mente, segundo a ciência Ouvir 14 de fevereiro de 2025 *O artigo foi escrito pelo professor Marcus V. Zanetti, da Faculdade Sírio‐Libanês e colaborador do Ambulatório de Depressão Resistente ao Tratamento, Autolesão e Suicidalidade do Hospital das Clínicas (HC-FMUSP), Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), e pela professora Carla R. Taddei, pesquisadora do Laboratório de Microbioma Humano, Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP), Universidade de São Paulo (USP), e publicado na plataforma The Conversation Brasil. O intestino exerce uma profunda influência sobre o nosso sistema nervoso. Essa afirmação está suportada por uma grande quantidade de estudos científicos que não apenas comprovam, mas aprofundam o conhecimento sobre essas relações. Um grande conjunto de evidências científicas corrobora a noção de que o microbioma intestinal pode influenciar o desenvolvimento, estrutura e função cerebrais por diferentes mecanismos, principalmente neuroimunes e neuroendocrinológicos. Alterações no microbioma intestinal têm sido consistentemente documentadas, por exemplo, em diferentes transtornos neuropsiquiátricos, como TDAH, autismo, depressão, transtorno bipolar e doenças neurodegenerativas, embora ainda se investigue se essas relações são causais ou apenas correlacionais. Para compreender como essa interferência se dá, é necessário entender um pouco mais sobre o papel da microbiota e do microbioma intestinais. Microrganismos do nosso trato gastrointestinal Composta por trilhões de microrganismos, a microbiota intestinal é essencial para diversas funções do organismo, como digestão de nutrientes, síntese de vitaminas e defesa imunológica. Ela também é responsável pela produção de metabólitos — que são o produto resultante do metabolismo de um organismo, no caso da microbiota, metabolismo de microrganismos. Entre esses metabólitos, estão os ácidos graxos de cadeia curta como o butirato, que atua como modulador neuroprotetor e anti-inflamatório, também influenciando a produção de neurotransmissores (os “mensageiros químicos” do cérebro) e neurotrofinas (proteínas que auxiliam no desenvolvimento e sobrevivência dos neurônios). Praticamente todo nosso corpo possui uma microbiota, mas as populações microbianas encontradas no trato gastrointestinal, particularmente no cólon, são de longe as mais abundantes e diversas, incluindo bactérias e os menos estudados fungos, vírus, arqueas e protozoários. Já o termo microbioma intestinal refere-se ao genoma da microbiota intestinal e à miríade de moléculas produzidas por estes microrganismos, bem como as complexas interações entre eles. Apesar de haver um número semelhante de microrganismos e células humanas convivendo em simbiose (uma relação aproximada de 1:1,3), o número de genes do microbioma intestinal excede o do genoma humano – são mais de 22 milhões de genes identificados no microbioma intestinal em comparação com 23 mil genes no genoma humano (um fator de quase mil). Tudo isso inclui a codificação de sistemas enzimáticos e metabólicos, com a digestão de celulose, por exemplo, que é inexistentes em nosso organismo, mas dos quais podemos nos beneficiar através de interações simbióticas com o nosso microbioma. O intestino é responsável pela absorção de nutrientes Eixo intestino-cérebro No eixo intestino-cérebro, o microbioma intestinal interage de forma íntima e complexa com o chamado conectoma intestinal – formado por uma extensa rede de receptores intestinais, células enteroendócrinas (que controlam várias funções do sistema gastrointestinal, como a digestão), projeções do sistema nervoso entérico (situado no revestimento de órgãos como estômago e intestinos) e nervo vago (nervo que controla funções vitais, como a frequência cardíaca, respiração e movimentos do trato digestório). Microbioma e conectoma intestinais se conectam de forma recíproca com o conectoma cerebral, modulando conjuntamente imunidade, metabolismo, ciclo circadiano e comportamento, de forma crucial para a integração fisiológica do nosso corpo. Interessante notar que, ao longo da vida humana, da infância ao envelhecimento, parecem ocorrer mudanças na composição e diversidade da microbiota intestinal em paralelo com as mudanças típicas do desenvolvimento, maturação e envelhecimento cerebrais. Embora o conceito de interações intestino-cérebro não seja novo e tenha sido aplicado à fisiopatologia da síndrome do intestino irritável e à regulação da ingestão de alimentos por décadas, o surgimento da ciência do microbioma e, em particular, a demonstração das interações entre o cérebro e o microbioma intestinal revolucionaram nossa compreensão acerca da fisiologia humana na saúde e na doença. Essa revolução não só gerou novos campos de pesquisa, como a psiquiatria nutricional, mas também forneceu explicações biológicas plausíveis para a epidemia de doenças crônicas não contagiosas em desenvolvimento, como os transtornos do humor, as doenças neurodegenerativas (como as doenças de Alzheimer e Parkinson, por exemplo), síndrome metabólica e doenças cardiovasculares. Este conhecimento também nos permite compreender melhor o porquê de transtornos mentais como ansiedade e depressão frequentemente ocorrerem juntamente com condições como síndrome metabólica, doenças cardiovasculares, distúrbios gastrointestinais, dor crônica e câncer. Embora não sejam óbvias à primeira vista, diabetes tipo 2, obesidade, síndrome metabólica, doenças cardiovasculares, distúrbios neurodegenerativos e do neurodesenvolvimento, e até mesmo câncer de cólon e doenças inflamatórias intestinais, foram todos associados a um envolvimento desadaptativo do sistema imunológico. O intestino contém cerca de 70% das células imunológicas do corpo e os microrganismos intestinais estão interagindo intimamente com nossos alimentos e com o sistema imunológico associado ao intestino. Portanto, a estreita ligação entre dieta, microbioma intestinal, nosso sistema imunológico e várias de nossas doenças crônicas mais comuns não é surpreendente. Saúde intestinal e bem-estar mental Lançado recentemente, o livro “Eixo intestino-cérebro: teorias e aplicações clínicas”, da Editora Manole, apresenta o pensamento atual da ciência sobre o impacto da saúde intestinal no bem-estar mental. A obra foi organizada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), Faculdade Sírio-Libanês e da Universidade da Califórnia (UCLA). Ela reúne, de forma inédita no Brasil, as evidências científicas sobre a relação bidirecional entre o sistema nervoso central e o intestino, destacando como essa conexão regula de forma fina o equilíbrio homeostático do nosso corpo, incluindo a neurotransmissão. Os autores exploraram também as potenciais implicações de desequilíbrios neste sistema para o desenvolvimento de diferentes condições gastrointestinais e neuropsiquiátricas, as possibilidades diagnósticas e as terapêuticas associadas. O livro é resultado da colaboração de diversos especialistas, incluindo nutricionistas, farmacêuticos, microbiologistas e médicos. Carla e eu organizamos a obra, juntamente com o gastroenterologista e neurocientista Emeran A. Mayer, professor da David Geffen School of Medicine da UCLA (EUA), pioneiro nos estudos sobre o eixo intestino-cérebro e quem primeiro descreveu esse conceito, no início dos anos 2000. Novas possibilidades terapêuticas Como discutido no livro, intervenções focadas em diferentes alvos dentro do eixo intestino-cérebro vêm sendo propostas como novas possibilidades terapêuticas no tratamento tanto dos distúrbios da interação cérebro-intestino (antigamente chamados de distúrbios gastrointestinais funcionais) como de diferentes transtornos neuropsiquiátricos. Estudos com nutracêuticos com efeito prebiótico (fibras, compostos bioativos e outros nutrientes que servem de alimento à microbiota), probióticos (microrganismos vivos que são benéficos à saúde) e transplante de microbiota fecal têm sido conduzidos para o tratamento de diferentes condições de saúde, inclusive transtornos mentais graves, com resultados ainda preliminares. No entanto, o microbioma intestinal sofre grande influência dos hábitos de vida, como alimentação, atividade física, gerenciamento de estresse e uso de medicamentos e substâncias (álcool, por exemplo) em geral, fatores estes bastantes impactados nos pacientes com transtornos mentais graves. Neste sentido, é importante destacar que intervenções do estilo de vida têm se mostrado importantes instrumentos terapêuticos, cujas ações são em grande parte mediadas pelo eixo intestino-cérebro. Por exemplo, uma dieta amplamente baseada em vegetais, com uma grande variedade de frutas, folhas, grãos, legumes, castanhas, e incluindo uma variedade de alimentos fermentados naturalmente, exerce um efeito positivo sobre o microbioma intestinal ao mesmo tempo em as evidências científicas demonstram efeitos tanto preventivos como terapêuticos para a saúde intestinal e cerebral. Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto! Notícias
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