A creatina vem sendo extensivamente estudada por décadas. Em 1992, ela ganhou notoriedade quando o Professor Roger Harris e colaboradores demonstraram que a suplementação desse nutriente era capaz de elevar em 20% a quantidade de creatina no músculo. Ela é uma amina, composta pelos aminoácidos arginina, glicina e metionina (ácido acético metilguanidina), endogenamente é sintetizada no fígado, cérebro, rins e pâncreas, de maneira exógena, a creatina é consumida principalmente através de carne e/ou como suplemento dietético.
A creatina tem função ímpar na bioenergética, fornecendo energia rápida através do sistema creatina-ATP-creatina quinase (Cr/ATP/CK), mantendo um nível estável de energia principalmente em tecidos com alta demanda energética (músculo esquelético e cérebro). Esse sistema também é responsável pela atenuação do estresse oxidativo de forma direta e manutenção do pH, pelo tamponamento de íons H+. E ainda, é responsável pela transferência de energia da mitocôndria para o citosol. As várias características dessa molécula impulsionaram diversos estudos sobre o seu efeito ergogênico e terapêutico.
Creatina e efeitos ergogênicos
A literatura científica aponta, consistentemente, para o efeito ergogênico da creatina. A suplementação de creatina quando combinada com o treinamento de força leva ao maior desempenho físico, massa livre de gordura e melhor morfologia muscular. Exercícios de força induzem a adaptações celulares, incluindo regeneração mais rápida de ATP para recuperação muscular, aumento do fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1), aumento da proliferação de células satélites, que estão associadas à melhora do desempenho físico.
Nesse sentido, a suplementação de creatina eleva a concentração de fosfocreatina (PCr) muscular e influencia na recuperação mais rápida de ATP para a regeneração do músculo, atenuando a fadiga. Além disso, diminui os efeitos da acidose muscular devido a alterações no pH. A creatina monoidratada também estimula a síntese proteica de forma indireta, sua ingestão leva ao aumento da osmolaridade celular, ocasionando edema e estímulo da expressão de fatores de crescimento miogênicos e, por consequência, induzem a ativação de células satélites, que estão envolvidas na hipertrofia.
A maneira mais eficaz de aumentar as reservas musculares de creatina é ingerir 5 g de creatina monoidratada (ou aproximadamente 0,3 g/kg de peso corporal) quatro vezes ao dia durante 5-7 dias. Uma vez os estoques de creatina saturados no músculo, estes podem ser mantidos com a ingestão de 3-5 g/dia, embora estudos indiquem que atletas maiores podem precisar de quantidades superiores como de 5-10 g/dia. Um protocolo alternativo é a ingestão de 3 g/dia durante 28 dias, esse método pode resultar em aumento gradual da creatina no músculo, com menor efeito na performance do exercício e/ou adaptações ao treinamento até que os estoques de creatina estejam saturados.
Creatina e envelhecimento muscular
A dinapenia (dyna=força; penia=perda), perde de força muscular associada à idade que não é causada por doenças neurológicas ou musculares, é um indicador de sarcopenia (perda da massa muscular). Ambos podem ser preditores de incapacidade em idosos. A força muscular permanece constante até a quinta década de vida e depois começa a decair a uma taxa de 1,2-1,5% ao ano. Concomitantemente, a massa muscular começa a diminuir 0,8% por ano após os 50 anos.
Recente metanálise observou aumento significativo de massa magra (1,37 kg) e força máxima em membros superiores e inferiores em adultos e idosos (n=721, 57-70 anos de idade) após a ingestão de creatina associada ao treinamento de força comparado ao placebo (estudos variando de 10-52 semanas). Da maneira semelhante, outra metanálise demonstrou que o treinamento de força associado à suplementação de creatina pode atenuar alterações da sarcopenia e dinapenia, no que tange ao aumento de massa muscular livre, repetição máxima para o leg press e supino, além do efeito positivo no teste de se levantar e se sentar da cadeira por 30 segundos, com forte tendência para diminuição do percentual de gordura corporal.
Creatina e envelhecimento ósseo
A prevenção da fratura óssea em idosos depende de dois fatores: resistência do osso e a prevenção de quedas. Estudos têm demonstrado o potencial da suplementação de creatina, especialmente quando combinado ao treinamento de força, no aumento da força óssea e diminuição do risco de quedas. Homens (55-77anos) suplementados com o nutriente (0,1 g/kg/dia) durante 10 semanas e com treino de força supervisionado (3 dias/semana) apresentaram redução de 27% em marcador de reabsorção óssea comparado ao controle (N-telopeptídeos do colágeno tipo-I (NTx)). Em dados de pesquisas pré-clínicas, a creatina foi capaz de estimular a ativação e diferenciação de osteoblastos, causando a liberação de osteoprotegerina que inibe a ativação de osteosclastos, diminuindo a reabsorção óssea.
Creatina e efeito na cognição
A creatina apresenta habilidade em ultrapassar a barreira hematoencefálica e se acumular no cérebro. Os neurônios requerem um fornecimento constante de ATP para processos de manutenção do gradiente iônico, exocitose de neurotransmissores e funcionamento sináptico. De maneira semelhante ao músculo, o cérebro necessita de creatina e Pcr para o rápido fornecimento de energia. Dessa forma, foi hipotetizado que a suplementação com creatina poderia afetar de maneira positiva funções cognitivas.
Nesse sentido, indivíduos (68–85 anos) sem transtornos psiquiátricos e suplementados com creatina (20 g/dia, durante 7 dias) apresentaram melhora em parâmetros de memória (memória a longo prazo e recordação espacial para trás e para frente) comparados ao controle. Em adição, a suplementação de creatina (5 g/dia, durante 6 semanas), em adultos jovens vegetarianos, foi capaz de melhorar a pontuação em teste de memória (teste de dígitos) e de inteligência (matrizes progressivas de raven), ambas as tarefas exigem velocidade de processamento.
Corroborando com esses achados, metanálise (281 indivíduos) relatou que o consumo de creatina pode melhorar testes de memória de curto prazo (memória espacial e varredura de memória) e inteligência/raciocínio. Os tratamentos eficazes foram: suplementação de 20 g/dia (divididos em 4 doses) durante 7 dias e 5 g/dia durante 2 ou 6 semanas. De maneira interessante, a creatina também foi capaz de aumentar a função executiva (teste de geração de números aleatórios), associada a habilidades de planejamento e execução, em indivíduos com privação de sono de 36 horas. E, ainda, ela foi capaz de atenuar a fadiga mental e levar ao aumento do desempenho físico e mental de adultos (21-27 anos).
Em resumo, a ingestão de creatina vem demonstrando de forma robusta ser eficiente e segura como ergogênico. Além disso, novas abordagens para seu uso têm sido investigadas e os resultados são promissores.
Referências:
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