A brasiliense Mariana de Alcântara, 39 anos, e a mineira Maisa Pereira, 36, estão juntas há 12 anos. Há cinco, o casal decidiu que era o momento de aumentar a família. Com a ajuda da fertilização in vitro, elas se tornaram mães de Mateus, 2 anos, e Maria Olívia, 2 meses.
As duas crianças foram gestadas por Mariana, que também amamentou exclusivamente Mateus. Quando o menino nasceu, as duas acreditavam que apenas ela seria capaz de amamentar os filhos do casal, uma vez que a servidora pública havia gestado e passado por todas as transformações hormonais que possibilitam a lactação.
Mas este ano, a responsabilidade da amamentação foi dividida com Maisa graças a um protocolo de lactação induzida realizado na Maternidade Brasília.
“Foi bem emocionante. É sensação inexplicável ver a nossa filha, um bebê pequenininho, indo no peito. Foi uma evolução para a Maria também, sair da incubadora onde estava tomando leite na sonda, e conseguir sugar o meu peito”, conta Maisa.
“Nós não tínhamos noção de que era possível. Na gestação do Mateus, nenhum médico nos informou sobre a indução da amamentação”, explica. “O assunto não surgiu nas nossas pesquisas, por isso não cogitamos essa hipótese”, completa Mariana.
Foram duas semanas de tratamento com a ajuda da equipe neonatal, em um projeto piloto da Maternidade, até que Maisa conseguisse produzir a primeira gota de leite materno em uma das mamas. “Eu estava desanimada, achando que não conseguiria produzir nas duas mamas, e comecei a fortalecer o estímulo na outra. Depois de um tempo, o leite saiu nas duas”, conta a mineira.
Protocolo para lactação induzida
O protocolo de lactação induzida ainda engatinha no país. A pediatra neonatal Ana Amélia Fialho, responsável pela formulação do programa na Maternidade Brasília, acredita que ainda falta divulgação sobre a segurança do método para que ele se popularize, possibilitando que mais pessoas consigam amamentar.
“O método propõe a indução da lactação de forma assistida por uma equipe multiprofissional, levando à inclusão de pessoas neste processo tão importante que é a amamentação”, afirma Ana Amélia.
O protocolo da indução de produção de leite materno é destinado para indivíduos que não gestaram, mas gostariam de amamentar. Assim, podem se beneficiar casais homoafetivos femininos, mulheres trans, travestis e pessoas que adotaram bebês ou tiveram filhos por barriga solidária. O método não é indicado para homens cis, já que seria necessário um bloqueio de testosterona que é considerado antiético.
Os interessados devem passar por uma consulta com ginecologista ou obstetra previamente pra que sejam avaliadas as questões biológicas e psicologias. “Caso haja confirmação da vontade de indução, será avaliada a questão ética”, afirma a médica.
No caso das mães adotivas, ou quando a vontade de amamentar surge nos dias próximos ao parto, a lactação pode ser um pouco mais desafiadora porque elas não têm tempo de se preparar. “O desafio é grande. É preciso um suporte emocional e motivacional para que a lactação ocorra”, considera Ana Amélia.
A lactação é possível a partir da estimulação das mamas com bomba elétrica (com orientação da equipe neonatal), associada a métodos farmacológicos, como o uso de medicamentos hormonais e não hormonais.
Ana Amélia destaca que o protocolo é completamente diferente da amamentação cruzada – quando mães amamentam filhos de outras pessoas que apresentam alguma dificuldade com o aleitamento –, uma prática contraindicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
“A amamentação cruzada não é recomendada devido ao risco de transmissão de HIV, HPV, Chagas e hepatites, por exemplo. Um dos pontos principais do protocolo de lactação induzida é a realização de exames contínuos para garantir uma amamentação saudável, sem transmissão de doenças. O leite humano é capaz de levar ao recém-nascido condições causadas por diversos patógenos, tanto quanto o sangue e outros fluidos orgânicos”, explica.
Troca afetiva com o bebê
Para Maisa, a possibilidade de amamentar mudou sua relação com a maternidade, tanto por se sentir incluída no processo, quanto pela troca com a criança – com um elo de ligação mais forte – e pelo apoio à companheira.
“Quando era mais novo, o Mateus pedia pela Mariana quando queria o peito ou estava estressado por uma vacina, por exemplo. Com a Maria, sinto que posso dar esse acalento. Ela vem em mim como se eu também tivesse gestado”, afirma.
Além de usar a bombinha para estimular as mamas, Maisa também fez a dieta APLV, indicada para gestantes, e excluiu completamente o consumo de leite de vaca e derivados. “Tudo tem valido a pena para conseguir deixar a Maria no meu peito”, afirma.
As mães se revezam para amamentar a menina nas madrugadas, dividindo também o desgaste físico e dando a oportunidade da criança ter o contato mais próximo com as duas mães. Embora Maisa ainda produza menos leite do que Mariana devido a uma redução de mama anterior e o tempo de início da indução, as mães contam que isto não é um problema para Maria Olivia, que sempre se mostra satisfeita.
Para a servidora pública, a garantia de que a filha terá acesso ao leite materno durante o crescimento é o principal benefício da lactação induzida.
“Eu entendo que a saúde da criança é ainda mais importante do que a realização do sonho da mãe de amamentar. A partir do momento que a pessoa se sente mãe e vê que o filho tem a possibilidade de tomar o melhor leite, com a transferência de todos os anticorpos, ela fica ainda mais feliz. É uma troca muito especial”, diz Mariana.
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