Nullos: pacientes recorrem à cirurgia clandestina para ter sexo neutro Ouvir 3 de agosto de 2024 Ao nascer, todas as crianças são designadas com um gênero, masculino ou feminino, de acordo com os genitais que vieram ao mundo. Se esta divisão parece simples e lógica, então você, provavelmente, não têm reparado no seu redor. Os tempos atuais são caracterizados por uma multiplicidade que, entre outros, compreende trans, não-binários e nullos. Os trans são pessoas que não se identificam com o sexo que nasceram – alguns optam, inclusive, por assumir o oposto. Os não-binários não seguem os gêneros tradicionais – não são meninas e nem meninos na maneira como se apresentam ao mundo. Os nullos, por sua vez, radicalizam as classificações e decidem fazer intervenções cirúrgicas para apagar suas genitálias. Leia também Brasil “Chance de me reconhecer”: mutirão opera pessoas trans e muda vidas Saúde Câncer de mama: tabu e preconceito ameaçam prevenção de pessoas trans Distrito Federal DF: 500 pessoas enfrentam fila em busca de vaga no Ambulatório Trans Mundo Igreja Católica decide que pessoas transexuais podem ser batizadas “Existem vários fatores que precisamos considerar na relação de pertencimento de uma pessoa a um gênero e eles vão muito além dos órgãos genitais. Quem irá definir o gênero é o próprio paciente, a partir de sua reflexão pessoal, também é ele que decide se há necessidade ou não de fazer cirurgias para afirmação de gênero”, explica o psiquiatra Guilherme Veiga, chefe do ambulatório LGBTQIA+ do Hospital Universitário da Universidade de Brasília (UnB). A proporção de pessoas que decidem operar os genitais é, na realidade, muito pequena. O cirurgião José Martins Júnior, especialista em procedimentos de redesignação sexual, estima que 95% das mulheres trans [designadas no sexo masculino ao nascer] não têm disforia genital e não fazem cirurgias para modificar seu sexo. “Nenhuma pessoa trans precisa de cirurgia para ser uma pessoa trans. Há muitas que fazem apenas terapias hormonais ou nem isso. Então é um erro quando a população imagina que o sonho de uma pessoa trans é fazer a chamada cirurgia de mudança de sexo. Existe um universo muito maior”, explica. Há casos em que, ao decidir por um procedimento cirúrgico, em vez de se afirmar em um novo gênero, a pessoa escolhe um caminho mais fluido, andrógeno e neutro. Em vez de uma cirurgia afirmativa, com uma plástica para ganhar o novo genital, a decisão é pelo apagamento do sexo. O que são nullos? Os nullos fazem a cirurgia de redesignação sexual para “sexo nenhum”. Eles fazem a retirada dos genitais com os quais nasceram, mas sem a substituição por outro. A modificação corporal também conhecida como orquiectomia procura deixar o paciente “liso” (smooth, como se definem em inglês), com apenas pequenas aberturas para a uretra e sem sexo aparente — a ideia é ficar sem genitais, como uma boneca Barbie, referência comum nesta comunidade. Os procedimentos dessa natureza começaram a ser feitos de forma clandestina nos anos 1990 e muitas pessoas enfrentaram complicações ao fazer as remoções extremas. A cirurgia não é regularizada na maioria dos países até hoje e o procedimento segue polêmico. São poucos os médicos que se especializam na prática e a divulgam publicamente. No continente americano, apenas o urologista mexicano Iván Aguilar declara abertamente fazer o procedimento. Em entrevista ao Metrópoles, ele explicou que considera seu ofício como um compromisso com a saúde de seus pacientes. “Os indivíduos que atendo têm uma disforia de gênero muito específica, uma repulsa ao pênis ou a vagina, mas não se identificam com o gênero oposto. Querem continuar sendo homens ou mulheres, ou mesmo pessoas não-binárias. Em vez de fazer uma cirurgia de confirmação de gênero, popularmente conhecida como troca de sexo, o que fazemos é uma nulificação”, resume o médico. Aguilar conta já ter feito procedimentos em mais de 200 pacientes, sendo 30 deles nos últimos seis meses. Guadalajara, no México, onde ele atende, acabou se tornando a capital mundial da nullificação, recebendo pessoas de todo o mundo, especialmente dos Estados Unidos. Segundo o médico, há um interesse recente no método, o que se comprova com uma maior discussão sobre o tema nas redes sociais. Ainda assim, Aguilar afirma que nada em sua clínica é feito com pressa. Cada novo cliente passa por pelo menos um ano de acompanhamento psicológico antes de o procedimento ser realizado. “Só faço a cirurgia quando tenho certeza que meu paciente não irá se arrepender. Todos os que passaram pela minha sala de operações se sentem muito gratos e satisfeitos com as modificações feitas”, garante o médico. O urologista começou a se interessar pela nullificação ao descobrir que muitos pacientes com disforia se automutilavam ou eram tratados por médicos e veterinários sem experiência. Em 2022, um homem foi preso no Reino Unido por fazer a operação sem nenhuma formação médica. “Minhas ações são orientadas por princípios médicos. Tenho um compromisso com a saúde e sei que há pacientes em casa que estão usando facas de cerâmica e nenhuma anestesia para mutilar seus genitais. Se eu posso ajudá-los com conhecimento médico e uma cirurgia segura, acredito que seja minha obrigação”, afirma. Como funciona a cirurgia? A cirurgia funciona de duas formas diferentes, a depender do gênero que será anulado. O procedimento dura no máximo duas horas, mas em mulheres pode ser mais rápido, concluído em 1h30. Após realizado, a nullificação não pode ser revertida. Em homens, é feito um corte no períneo que permite retirar todo o cordão espermático e os testículos. O saco escrotal é removido e se separa a uretra do pênis. O corpo cavernoso do pênis é ressecado e retirado, mantendo-se apenas uma abertura pequena para a uretra. A depender da preferência do paciente, pode-se manter a glande do pênis. Nas mulheres, a maioria das pacientes já retirou previamente o útero e os ovários. O médico localiza o clitóris e o disseca até a sua base; os lábios da vagina são retirados e se costura a antiga abertura, mantendo apenas a saída da uretra. Na medicina em geral, o procedimento de castração é realizado entre médicos especialmente como tratamento de câncer de próstata muito avançado e envolve apenas a remoção dos testículos. Não existe um protocolo de reposição hormonal adequado para as pessoas que passam pela nullificação, considerando que nos testículos é produzida a maior quantidade de testosterona em homens. Aguillar pede que os pacientes sejam acompanhados por endocrinologistas e façam exames periódicos para monitorar seus níveis hormonais. 5 imagens Fechar modal. 1 de 5 Mia M/Arte/Metrópoles 2 de 5 Mia M/Arte/Metrópoles 3 de 5 Mia M/Arte/Metrópoles 4 de 5 Mia M/Arte/Metrópoles 5 de 5 Mia M/Arte/Metrópoles Nullificação é possível no Brasil? Não há, atualmente, nenhum tipo de regulamentação acerca de cirurgias de nulificação no Brasil. Como este procedimento não consta no rol do Ministério da Saúde, não é autorizado realizá-lo no país. “Não entendo por que as limitações atuais nos impõem tantos limites. Existem pessoas que nascem nullas. Ao qualificar os cirurgiões a fazer o procedimento de forma segura, diminuindo as automutilações ou as complicações urinárias, os pacientes estariam mais felizes e confortáveis”, aponta o psiquiatra Camillo Miranda. Para o médico, que é um homem trans, boa parte das limitações atualmente impostas à realização dos procedimentos cirúrgicos em pessoas trans no Brasil estão relacionadas à pouca representação de profissionais com diversidade de gênero no país. “Publicamente conhecidos, somos apenas três psiquiatras trans no Brasil. Com isso, os pacientes acabam tendo uma visão sempre externa para tratar suas questões pessoais. Não é que um profissional cis não pode ajudar, mas quando sentimos na pele, podemos compreender melhor nossos pacientes. Sem representação, é difícil superar as ideias consolidadas”, comenta Camillo. Para procedimentos cirúrgicos relacionados à transição de gênero, como a retirada das mamas, além do desejo pessoal, o Ministério da Saúde determina que o parecer leve dois anos, com um acompanhamento do paciente com uma equipe multiprofissional. Para obter um parecer positivo, o paciente não precisa “odiar seu corpo”, como muitas pessoas imaginam. “No acompanhamento, observamos se a pessoa possui uma incongruência entre o gênero com o qual ela se identifica com o que foi assinalado em seu nascimento. Havendo tal incongruência, como ela vivencia o gênero com o qual se identifica em todas as esferas de sua vida, apresentando sofrimento ou não. Então, nem todo paciente que realiza algum tipo de terapia para reafirmação de gênero se encontra em sofrimento”, detalha o psiquiatra Guilherme Veiga. A vida dos nullos As comunidades on-line de nullos (uma delas no X conta com 1,7 mil pessoas) são, em sua maioria, frequentadas por homens, mas também há mulheres. Os dois grupos, porém, não se misturam: as comunidades de mulheres geralmente são avessas à presença masculina. Os homens são mais explícitos sobre os resultados dos procedimentos, muitos divulgam as imagens em perfis de pornografia on-line. Um deles, identificado como French Nullo, realizou a cirurgia em 20 de outubro de 2023 com Aguilar. Desde então, ele transformou seu perfil na rede social em um diário de como o corpo se adaptou à modificação. “Tive alguns vazamentos leves de sangue, nada preocupante. Posso andar com facilidade, mas devagar, e consigo sentar, mas ainda não com facilidade”, disse em novembro de 2023. “Aos 30 anos, decidiu retirar meus testículos. Hoje, aos 40 anos, sou um nullo e nunca estive tão feliz em minha vida”, completou em março de 2024. Outro homem que passou pela operação, identificado como Layli Nullo, diz se sentir “paradoxalmente mais masculino” depois de ter realizado o procedimento em maio de 2023. Segundo ele, a preparação para passar pela cirurgia começou em 2019 e exigiu muita coragem, determinação e conhecimento de como gostaria de ser. “Lembro como era chato ter ereções inesperadas, além de ter um pênis grande pendurado no meu corpo esguio. Não sei se estou começando a ter níveis menores de testosterona, mas me sinto mais calmo, contente e, algumas vezes, mais sensível e esperançoso”, explica. Layli Nullo é um homem de ascendência árabe. Quando visita a família, ele afirma que usa uma prótese de esponja para manter o volume nas roupas e não despertar a atenção das pessoas. “Quando uso essa prótese, me sinto mais uma pessoa comum e entediante. Ninguém imagina em casa como consegui modificar minha vida e ser mais feliz”. 2 imagens Fechar modal. 1 de 2 Laylli Nullo ficou desde 2019 em tratamento psicológico até receber a autorização para a cirurgia, realizada em maio de 2023 Layli Nullo/Twitter 2 de 2 Em 2024, um ano após o procedimento, ele se diz mais feliz do que nunca Layli Nullo/Twitter Apenas em setembro de 2022, a Associação Profissional Mundial para a Saúde Transgênero (WPATH, em inglês) incluiu conselhos para nullos e eunucos em sua lista de orientações. “Devido aos equívocos e preconceitos históricos e ao estigma social que afeta todos os gêneros e minorias sexuais, os poucos indivíduos nullos não contarão a ninguém e partilharão sua experiência apenas com pessoas que pensam da mesma forma, mas eles precisarão de atendimento médico e cirúrgico”, diz o documento. Para o urologista Aguilar, fingir que não existem interessados em uma transformação corporal tão extrema não fará sua existência sumir. “Há mais interesse recente, certamente, e também mais consciência de que a cirurgia é uma possibilidade. Isso tem atraído pessoas que antes achavam que a única opção possível era a troca de sexo e não se identificavam com ela. Esses indivíduos devem ter um atendimento adequado”, explica. Siga a editoria de Saúde no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto! Notícias
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