Manter sabor e remover a cafeína: químico explica o café descafeinado Ouvir 6 de agosto de 2024 Para muitas pessoas, o aroma do café recém-preparado é uma ótima forma de começar o dia. Mas, para outras, a cafeína pode causar dores de cabeça e nervosismo. É por isso que muita gente opta por uma xícara descafeinada. Sou professor de química e já dei aulas explicando por que os produtos químicos se dissolvem em alguns líquidos, mas não em outros. Os processos de descafeinação oferecem excelentes exemplos desses conceitos de química na vida real. Até mesmo o melhor método não remove toda a cafeína – cerca de 7 miligramas geralmente permanecem em uma xícara de 240 ml. Os produtores desse tipo de café objetivam remover a cafeína e, ao mesmo tempo, manter todos – ou, pelo menos, a maioria – dos outros compostos químicos de aroma e sabor. A descafeinação tem uma história rica e, atualmente, quase todos os produtores de café usam um dos três métodos mais comuns. Leia também Brasil Governo lista 16 marcas de café impróprias para consumo. Saiba quais Gastronomia “Chafé”, não! Cinco dicas para nunca mais errar ao preparar café coado Saúde Café depois do almoço faz mal? Veja 3 curiosidades sobre a bebida Saúde Nutricionista aponta benefícios de incluir canela e cardamomo no café Todas essas técnicas, que também são usadas para fazer chá descafeinado, começam com grãos de café verde ou não torrados que foram previamente umedecidos. O uso de grãos torrados resultaria em um aroma e sabor muito diferentes porque as etapas da descafeinação removeriam alguns ingredientes de sabor e odor produzidos durante a torrefação. O método do dióxido de carbono No método relativamente novo do dióxido de carbono, desenvolvido no início da década de 1970, os produtores usam CO₂ de alta pressão para extrair a cafeína dos grãos de café umedecidos. Eles bombeiam o CO₂ para um recipiente selado que contém os grãos úmidos, e as moléculas de cafeína se dissolvem. Depois que o CO₂ carregado de cafeína é separado dos grãos, os produtores passam a mistura por um recipiente com água ou por uma base de carvão ativado, que foi aquecido a altas temperaturas e exposto a vapor e oxigênio. Isso cria poros no carvão, filtra a cafeína e, provavelmente, outros compostos químicos, alguns dos quais afetam o sabor do café. Os produtores secam os grãos descafeinados sob o calor – situação que leva o que ainda restar de CO₂ a evaporar. Na sequência, podem, então, repressurizar e reutilizar o mesmo CO₂. Esse método remove de 96% a 98% de cafeína, e o café resultante tem apenas um resíduo mínimo de CO₂. O sistema para se chegar a tal resultado exige equipamentos caros para produzir e manusear o CO₂ e é amplamente usado para descafeinar cafés de grau comercial. Processo da água suíça O método da água suíça, que passou a ser adotado comercialmente no início da década de 1980, é simples. Os produtores colocam um lote de grãos de café verde de molho em água quente, que extrai a cafeína e outros compostos químicos dos grãos. É algo parecido com o que acontece quando você prepara grãos de café torrados – você coloca-os em água limpa e os produtos químicos que causam a cor escura do café são lixiviados para a água. De maneira semelhante, a água quente retira a cafeína dos grãos ainda não descafeinados. Durante a imersão, a concentração de cafeína passa dos grãos para a água. Depois, retiram os grãos e os colocam em água fresca, sem cafeína. O procedimento se repete cerca de 10 vezes, até que quase não haja mais cafeína nos grãos. A água resultante, que agora contém a cafeína e todos os elementos de sabor que se dissolveram dos grãos, passa por filtros de carvão ativado. Esses filtros retêm a cafeína e outras parcelas químicas de tamanho semelhante, como açúcares e os orgânicos chamados poliaminas. Mas permite que a maioria dos outros compostos permaneça na água filtrada – saturada de sabor, mas desprovida da maior parte da cafeína – e utilizada para embeber um novo lote de grãos de café. Essa etapa permite que os segmentos de sabor perdidos durante o processo de imersão voltem a entrar nos grãos. O processo da água suíça é valorizado por não usar produtos químicos e por sua capacidade de preservar a maior parte do sabor natural do café. Foi demonstrado que esse método remove de 94% a 96% da cafeína. Uma xícara de 240 ml de café contém cerca de 100 mg de cafeína Métodos baseados em solventes Essa abordagem tradicional e mais comum, realizada pela primeira vez no início dos anos 1900, utiliza solventes orgânicos, que são líquidos que dissolvem compostos químicos orgânicos, como a cafeína. O acetato de etila e o cloreto de metileno são dois solventes comumente presentes para extrair a cafeína dos grãos de café verde. Há dois métodos principais baseados em solventes. No método direto, os produtores deixam os grãos úmidos de molho diretamente no solvente ou diluído em água. O solvente extrai dos grãos de café a maior parte da cafeína e de outros compostos semelhantes à cafeína. Em seguida, os produtores removem os grãos do solvente após cerca de 10 horas e os secam. Na metodologia indireta, eles deixam os grãos de molho em água quente por algumas horas e depois os retiram. Após, tratam a água com solvente para remover a cafeína. O cloreto de metileno, o solvente mais comum, não se dissolve na água e acaba formando uma camada sobre ela. A cafeína se dissolve melhor no cloreto de metileno do que na água, portanto, a maior parte da cafeína permanece na camada de cloreto de metileno, que os produtores podem separar da água. Como no método da água suíça, os produtores podem reutilizar a água “sem cafeína”, que pode devolver alguns dos compostos de sabor removidos na primeira etapa. Esses métodos removem cerca de 96% a 97% da cafeína. O café descafeinado é seguro para consumo? Um dos solventes comuns, o acetato de etila, é encontrado naturalmente em muitos alimentos e bebidas. Ele é considerado um produto químico seguro para a descafeinação pela FDA (Food and Drug Administration), dos Estados Unidos. A FDA e a OSHA (Occupational Safety and Health Administration – ou Administração de Saúde e Segurança Ocupacional) consideraram que o cloreto de metileno não é seguro para consumo em concentrações acima de 10 miligramas por quilograma de peso corporal. Entretanto, a quantidade residual encontrada nos grãos de café torrados é muito pequena – em torno de 2 a 3 miligramas por quilograma. Está bem abaixo dos limites da FDA. A OSHA e suas congêneres europeias têm regras rigorosas no local de trabalho para minimizar a exposição ao cloreto de metileno dos trabalhadores envolvidos no processo de descafeinação. Depois que os produtores descafeinam os grãos de café usando cloreto de metileno, eles cozinham os grãos no vapor e os secam. Em seguida, são torrados em altas temperaturas. Durante o processo de vaporização e torrefação, os grãos ficam quentes o suficiente para que o cloreto de metileno residual evapore. A etapa de torrefação também produz novos produtos químicos de sabor a partir da decomposição de elementos químicos que dão ao café seu sabor característico. Além disso, a maioria das pessoas prepara o café em temperatura entre 190 F e 212 F (escala Fahrenheit) o que é outra oportunidade para o cloreto de metileno evaporar. Retenção de aroma e sabor É quimicamente impossível dissolver apenas a cafeína sem dissolver também outros ingredientes químicos dos grãos, portanto, a descafeinação inevitavelmente remove alguns outros aditivos que contribuem para o aroma e o sabor da sua xícara de café. Mas algumas técnicas, como o processo de água suíço e o método de solvente indireto, têm etapas que podem reintroduzir determinados componentes extraídos. Não todos, porém podem trazer de volta alguns dos itens ligados ao sabor. Graças a isso, é possível tomar aquela deliciosa xícara de café sem cafeína, a menos que o garçom troque acidentalmente os bules. *O artigo foi escrito pelo professor de química e bioquímica Michael W. Crowder, da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, e publicado na plataforma The Conversation Brasil. Siga a editoria de Saúde no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto! Notícias
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